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Qual é a sua origem?
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Encantador de serpentes indiano tocando um Bungi, um
instrumento de palheta simples, com reservatório de ar e bordão.
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A Gaita-de-fole parece
encontrar o seu espaço de difusão primordial a partir da expansão dos
povos pastoris do Mediterrâneo ou da Ásia, visto tratar-se de um
instrumento profundamente associado ao contexto sócio-económico pastoril
- basta pensar que os foles são feitos geralmente com peles de animais
de pastoreio, que também serviam para fazer recipientes para líquidos ou
grão (odres) - sendo em redor do espaço mediterrânico que se encontra a
maior variedade de modelos de instrumentos deste tipo.
Todavia, é preciso ter em conta que o uso de odres (sacos flexíveis de
pele) era muito usual no mundo antigo e não se limitava aos povos
pastoris. Muitas culturas urbanas usavam-nos para transporte de
água, vinho, óleos, cereais ou grão. Ou seja, os pastores poderiam ser
os principais fornecedores, mas não os únicos utilizadores dessa
tecnologia.
Isto significa algo muito simples: o instrumento Gaita-de-fole pode ter
surgido em qualquer contexto, em qualquer parte do Mundo e
provavelmente, até em vários sítios ao mesmo tempo.
É a Idade Média, no entanto, a época que aparenta ter sido o período de
maior expansão e popularidade do instrumento - é aí que surgem com mais
frequência as representações de pastores em cenas de Natividade, quer em
pintura, iluminura ou escultura, onde se encontram figuras de gaiteiros,
por exemplo, para além de outras referências.
A ausência total de iconografia ou de vestígios arqueológicos anteriores
à Idade Média, não ajuda a determinar de forma precisa onde e quando
terá surgido um instrumento deste tipo e que aspecto terá tido.
Esta circunstância tem permitido a difusão de mitos recentes referentes
à sua origem, os quais têm vindo a ser intensamente propagados,
nomeadamente os que atribuem ao instrumento uma obscura origem “celta”
ou “céltica” - entendida em arqueologia como as culturas dos sítios de
Hallstat (1000 A.C., actual Áustria) e La Téne (500 A.C., actual
França).
Na verdade, esses mitos são infundados, contraditórios e carecem de
fundamento histórico, pois não existem, em qualquer parte do mundo,
quaisquer testemunhos, vestígios arqueológicos ou documentação que
provem a presença de um instrumento desse tipo nesse período e nessa
cultura concreta.
Existem, contudo, relatos escritos de cronistas da antiguidade: Gaio
Suetónio Tranquilo, um cronista romano ("De Vita Caesarum", 200 DC)
refere uma promessa do imperador Nero de tocar "Utricularium" - um
instrumento que se presume que seja uma gaita-de-fole. Dio Crisóstomo,
um cronista Grego, refere na sua "Oratoria" (200 DC) um instrumento
musical que possuiria um saco debaixo da axila (um possível fole?) e
ainda Procópio (500 - 565 DC), um cronista Bizantino, faz referência ao
uso de presumíveis gaitas-de-fole nas legiões romanas, na sua obra "De
Bello Gothico" (que relata as guerras romanas com os povos germânicos,
já no final do Império Romano).
Todas estas referências, no entanto, não podem ser interpretadas
literalmente e infelizmente, também não descrevem as características
exactas de tais instrumentos musicais - o que não ajuda a definir do que
se tratariam de facto.
Apesar de existirem referências escritas e iconográficas de outros
instrumentos (aerofones de metal, flautas, percussões, etc.), sobretudo
também em documentos romanos e gregos, não surgiu até hoje qualquer
referência à gaita-de-fole nas culturas ditas "célticas", nem de fontes
oriundas desses povos, nem de fontes exteriores que se refiram a eles.
Portanto, qualquer atribuição da origem ou presença da gaita-de-fole
nesse contexto não pode ser sustentada, até prova em contrário.

A seguir:
O mito da "música
celta".

Texto: Miguel Costa (Associação Gaita de Foles),
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