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A Associação Alexandre Bóveda da Corunha, em colaboração com a Área de
Música Tradicional da Escola Municipal de Música, organizou a Primeira
Homenagem Popular aos Gaiteiros Corunheses, celebrada nos passados dias 12 e 19 de Dezembro às 20:00 horas, no Fórum Metropolitano da cidade. Na sala, em cada um dos dias guardou-se um tenso minuto de silêncio pela
tragédia do Prestige. O êxito dos actos programados, assim como a importância das figuras dos homenageados, confirma esta iniciativa como
uma das mais importantes na história da gaita dos últimos anos, resumo
de um século; além de significar o elo da cadeia que faltava entre os velhos e
novos gaiteiros da cidade, e marcar uma continuidade lógica entre eles.
O primeiro dia, foi dedicado às figuras de Fernando Álvarez, Cardelle e José
Casal.
Fernando Álvarez Pardo nasce na Corunha em 1932. Formou parte do
quarteto infantil do coro Cántigas da Terra, ganhando diferentes concursos.
No coro adulto entretanto, andavam a tocar Emílio Corral e Francisco Paradela. Com os anos, forma parte na nova formação do primeiro quarteto
de gaitas de A Corunha: “Os Tempranos de Eirís”, a fazer duo, primeiro com
Paradela e mais tarde com Pepito Temprano. Foi gaiteiro profissional. Estuda
no Conservatório e aprende a lêr pautas. Tocou para quanta agrupação
houve na cidade, desde Brétemas e Raiolas, Follas Novas, os Coros e Danças da Secção Feminina ou o “ballet de la Coruña” que pouco mais tarde
se traduziria na importante formação dependente da Deputação chamada
“ballet gallego Rey de Viana”.
Foto: Fernando
Alvarez Pardo, Adolfo Anta Seoane e PepeTemprano. Colecção de Fernando
Alvarez
José
Cardelle Portos representa a passagem do gaiteiro rural ao gaiteiro urbano, nasceu
em 1924 numa aldeia de Boimorto;
muda-se para Arzua e
começa a tocar com digitação fechada. Gostava na altura de tocar com a
gaita para acompanhar à voz, na festa de Reis. Faz o serviço militar em
Pontevedra, onde toca numa banda de gaiteiros. Volta a Arzua e finalmente
começa a colaborar com o ballet Rey de Viana, com o qual percorre toda a
Europa e parte da América. Passa a viver na Corunha. Sempre gostou de afinar a gaita com muita voz e soprar com força. Em Valparaiso, o falecido
Rey de Viana repreendeu Cardelhe e Gabriel Mato Varela (“os irmãos
Garceiras”, de Melide) ...por não parar de tocar! Cardelhe foi o mestre de
reconhecidos gaiteiros da actualidade, como Ricardo Santos Blanco.
Foto: José Cardelle
- Colec. José Cardelle
José Casal é um erudito da gaita. Personagem peculiar. Ainda que tenha um
carácter forte, ninguém fala mal dele. José Casal representou, desde sempre, o gaiteiro multifacetado. Pintor, escultor,
entalhador, artesão de
gaitas, compositor, cantor e director de coros e orfeões, etc. Nasceu numa
aldeia de Curtis no ano 1942. Tem como mestre gaiteiro Dom Emílio Corral
e forma parte do coro Follas Novas, actividade que mantém
simultaneamente com
muitas outras agrupações. Já com 17 anos toca com o Ballet Galego, com a
orquestra sinfónica de Madrid no teatro espanhol, e também com a orquestra sinfónica
da Corunha. Em torno aos 19 anos, aí pelo ano 60 ou
61 forma com Miguel Paradela (gaita) Manolito Ambite (tamboril) e Antón
Ambite (bombo) o mítico quarteto “Brisas da Crunha”, com que recebem
numerosos prémios em Certames de Gaitas e realiza diferentes gravações.
No segundo dia, os homenageados são também três: José “Pepito” Temprano, Francisco “Farruco Paradela” e Emílio Corral.
Foto: José Casal -
Colec. Manolo Graña.
Pepe Temprano nasce na Corunha em 1940. De família gaiteira, pertence à
conhecida saga dos Tempranos de Eirís. Pai gaiteiro-tamborileiro, tio gaiteiro
e avó acordeonista. Além de gaiteiro, Pepito Temprano é actor, pescador,
fotógrafo e coleccionista de toda classe de objectos. Pepe representa a
abertura numa época gaiteira fechada, numa época de pós-guerra onde os
personalismos predominaram e lhe fizeram muito mal ao instrumento. Tem, entre outras, uma colecção de instrumentos e fotografias antigas
espectacular. Tocou nos Tempranos, em Eidos e no ballet Rey de Viana. Continua a tocar. Como ele mesmo diz
“Fumei muito, bebi muitas taças, comi muito, toquei a gaita tudo o que a podia tocar e andei muito
de caralhada. Espero que todos os trabalhadores fossem tão felizes como o fui eu na
minha vida”. Foto:
Pepe Temprano - Foto de Federico Cabezón, Colec. Pepe Temprano
Emílio Corral Vázquez nasce no caminho novo da Corunha (actual Juan
Flórez) em 1910. Entra em Cántigas da Terra. Gaiteiro, foi professor de
clarinete e saxofone da primeira banda de música corunhesa, onde foi
também director e mestre da Academia de Gaitas, Em 1956 obtém o primeiro
prémio de instrumentistas típicos no Festival Internacional de Llangollen
(País de Gales), título que repete vinte e seis anos mais tarde, em 1986.
Também obtém primeiros prémios como solista no Festival de Gisors (Normandia). Sebastiam Martínez Risco quando era presidente da RAG não
duvidou em nomeá-lo Gaiteiro Maior do Reino de Galiza, título que ostenta
ainda hoje. Em 1968, recebe junto a Francisco Paradela, as medalhas do prémio Marcial del Adalid.
Foto: Emílio Corral
- Colec. Pepe Temprano.
Francisco “Farruco” Paradela nasce na Corunha em 1909. Com 94 anos é,
junto com Dom Emílio Corral, o gaiteiro galego vivo mais importante actualmente, um dos grandes do século XX. Pertenceu durante mais de 30 anos, junto a Emílio Corral, a Cántigas da Terra, o coro galeguista fundado
paralelamente às irmandades da Fala, em 1916. Os próprios Soutelos de Montes disseram dele que foi o gaiteiro mais impressionante que tinham
conhecido. Conheceu pessoalmente ao boticário pontevedrês Dom Perfecto
Feijoo, fundador dos coros galegos e ao mítico "Llibradon de Asturies". A sua
primeira gaita foi uma dum artesão que vivia em frente da fábrica de gás na
Corunha. A sua segunda gaita, foi já construída em Pontevedra pelo conhecido Faustino Santalices.
Realizou várias gravações deixando
constância do seu virtuosismo como solista. Já em 1950 o etnomusicólogo
Alan Lomax realizou junto a outros homenageados, Fernando Álvarez e
Francisco Paradela, uma gravação recentemente editada e valorada. José Casal, outro dos
homenageados, admira-o: "fazia uns vibratos com os seus dedos gordos
como chouriços, que parecia um violino". Foto:
Francisco Paradela - Colec. Pepe Temprano.

Francisco Paradela no
grupo de coros e danças da "Sección Feminina" -
Colec. Pepe Temprano. |
Nas homenagens a estas seis grandes figuras, apresentadas por Xurxo
Souto e Flor Maceiras, participaram de maneira altruísta e quase todos em
formação de quarteto, os seguintes grupos: Millo Verde (A Corunha),
Ricardo Santos & Marcelino (A Corunha), Os Fiuzas de Monte-Alto (A
Corunha), Os Xarelos (A Corunha) A.C. Donaire (A Corunha), Aula Folque da
Escola Municipal de Música, Os Fonte Suairas (A Corunha), Alén do Mar (As
Marinhas) Oscar Miranda e Víctor Iglesias (Arteixo) Brais Maceiras e Susana
Seivane (A Corunha) e para rematar a festa...cantou Cántigas da Terra. Enquanto que os grupos actuavam, foram mostradas fotografias que
ilustravam as vidas dos homenageados. Ao ouvir o coro de Cántigas, Francisco Paradela e Emílio Corral aguçaram a orelha e começaram a cantar
desde os seus lugares. Com o pasmo dos assistentes, Corral não aguenta mais e sobe ao palco a aturujar
ao microfone e a gritar:
"Viva a Galiza! Fora chapapote!" Paradela, qual Lázaro, levanta-se da sua cadeira de rodas
e começa a subir também ao palco para cantar o Hino Galego com Cántigas
da Terra, enquanto que a metade do público e aos coristas caem-lhes as lágrimas de emoção e a
berrar-lhe..."Gaiteiro"!

Texto: Eduardo Méndez
Vaamonde (Área de Música Tradicional da Escola
Municipal de Música da Corunha). Fotos: Federico Cabezon e colecções de Pepe Temprano, Fernando Alvarez, Manolo Graña, Pepito Temprano.
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